Crônicas

OBSERVAÇÕES VIRTUAIS: A Pandemia e os gêneros

Durante este período de pandemia e quarentena em que estamos vivendo, as nossas observações são quase que exclusivamente virtuais. Esta semana assistindo ao jornal local da Tv Anhanguera aqui em Palmas, me deparei com duas reportagens que relatavam situações hilárias e preocupantes ao mesmo tempo. A primeira mostrava um caminhoneiro que recebia álcool em gel de uma moça, provavelmente enfermeira, enquanto espera para fazer o exame da covid, e ao receber o álcool na mão esfregou e passou na calça; o outro caso, se refere a flexibilização das medidas de isolamento social na capital e mostrava outro homem, dessa vez numa mesa de bar tomando cerveja e ao ser perguntado sobre o que ele estava achando da situação, disse que estava achando muito boa porque tinha álcool em gel sobre a mesa. Certamente para ele esta é a garantia de que não será infectado. Entre estes casos, ai também se enquadra a pressa no retorno do campeonato carioca com o jogo do Flamengo no Maracanã em pleno crescimento dos casos da covid.

Pensando bem, são três histórias que envolvem apenas homens. Três fatos que nos levam a refletir sobre a questão de gênero na pandemia. Já é comum ouvir-se dizer que os homens não se cuidam e resistem a ir ao médico. Tudo indica que se acham poderosos e ir ao médico seja uma demonstração de fraqueza. Verdades que se encaixam bem nos cuidados que observamos atualmente por parte da grande maioria dos homens na prevenção ao covid, assim como acontece em relação ao câncer de próstata e outras doenças. Pois é, a cultura sempre fala alto por se enraizar através do tempo como crença e tradição. Podemos mesmo afirmar que nestes casos predomina a necessidade de autoafirmação da força e resistência tão desejadas e propaladas pelo sexo masculino. É assim que acontece o efeito de rebanho, que surge quando algum homem se sente fraco ou covarde num ato de clara demonstração de introjeção dos valores passados pelos companheiros e pela sociedade em geral, por negar um convite de um amigo para sair, não se expor ao risco ou simplesmente demonstrar dúvidas ou algo do tipo. Essa cobrança é quase generalizada, com poucas exceções, já que existem mudanças se encaminhando nesse processo, mudanças lentas e graduais, mas existem.

É interessante observar, que de um modo geral, a tradição aponta para o homem como sendo mais objetivo e direto nas suas assertivas, quase sempre desatento aos detalhes, focado em um ponto a cada vez, parecendo até que a maioria só enxerga o que está posto diante dos olhos, como se tivessem dificuldades em abstrair ou subjetivar determinadas situações sobre algo que não seja possivelmente compreendido de forma automática. Tem sido assim ao longo da história. Aqui cabem algumas indagações: Será ignorância ou falta de sensibilidade? Devemos apenas aceitar esta realidade ou aproveitarmos o momento para levantar alguns questionamentos?

Por outro lado, sabemos a educação existe para reproduzir e criticar padrões culturais estabelecidos, ou seja, formar o caráter das pessoas. À mulher foi destinado o papel de cuidadora e os homens esperam que ela sempre cumpra este papel, delegando a esta os seus próprios cuidados pessoais; assim podemos ver quando muitos esperam por ela para que os levem ao médico ou simplesmente comprem uma roupa nova e, por fim, pelo menos, que ela chame a sua atenção para estas necessidades, seja mãe, esposa, irmã ou filha. Talvez daí tenha surgido o ditado machista que afirma que “por traz de um grande homem existe sempre uma grande mulher”.

O certo que é a cultura se encarrega de perpetuar e fortalecer tais traços, costumes e atitudes, e mesmo que lentamente estejamos assistindo a mudanças nestes papéis, ainda são fortes e reafirmados o tempo todo; e não haveria problema se não tivesse um lado prejudicado como consequência desses comportamentos. O lado prejudicado à primeira vista é a mulher, mas, é mais do que isso, o lado prejudicado é a sociedade como um todo que sai perdendo.

Uma sociedade equilibrada, digamos saudável, com relações justas e respeitosas só existirá quando houver responsabilidade e respeito ao outro como fator primordial para o exercício da democracia e do verdadeiro exercício da cidadania.

Prof. Dr. José Vandilo dos Santos